Cobogó, nascido e criado no Nordeste

Arquiteto e historiador lembra polêmica sobre a origem da peça arquitetônica

LETICIA LINS

RECIFE " Comerciante e pioneiro na importação do primeiro automóvel da marca Ford introduzido em Pernambuco e na compra de equipamentos europeus para emissoras de rádio, o alemão Ernest August Boeckmann viu, numa viagem à Índia, uma boa oportunidade de ganhar dinheiro. Ele observou as treliças em madeira que eram utilizadas nas residências daquele país de clima tão quente quanto o que ele observava em Pernambuco. Voltou convencido de que as construções dos trópicos deveriam lançar mão de elementos vazados que permitissem a circulação do ar, já que naqueles tempos o clima do Recife era caracterizado por uma brisa constante e suave que vinha do mar.

" Na Alemanha, o concreto era muito utilizado. Quando ele viu as treliças indianas, percebeu que poderia adaptar o modelo substituindo a madeira pelo cimento " relata a arquiteta Guisela Boeckmann, neta de Ernest, funcionária da prefeitura de Olinda.

Ela não tem lembrança da fábrica do avô, mas se recorda dos comentários que o pai, já falecido, fazia a respeito da indústria que era localizada entre os bairros Ilha do Leite e Ilha do Retiro, área hoje ocupada por avenidas, viadutos e edifícios. Lembra que o avô convidou o sócio, o português Amadeu Oliveira Coimbra, para a empreitada. E pediu ajuda ao engenheiro Antônio de Góis para viabilizar tecnicamente o negócio.

Arquiteto, historiador e vice-presidente do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco, José Luiz da Mota Menezes ressalta que há uma certa polêmica quanto ao surgimento do cobogó.

" Há um grupo de estudiosos que insiste em dizer que ele já existia antes dos três. E que a denominação não é derivada dos nomes deles. Acredito, no entanto, que seja, sim. Mas é verdade que, antes do cobogó, já se usava o tijolo inclinado para que os furos servissem para entrada de ar, principalmente em banheiros. Ou seja, já existiam as fontes visuais. O que o trio criou foi o elemento articulado. Os empreendedores lançaram mão de fôrmas de ferro como moldes, preenchiam com areia e cimento e fabricavam os cobogós a preços baixos. Eles podiam não suportar o peso, mas serviam para iluminar e ventilar os ambientes internos " afirma , acrescentando que, com os padrões de engenharia, eles atribuíram uma boa resistência ao cobogó.

A caixa d"água, em Olinda, foi uma façanha do arquiteto Luiz Nunes, que chamou o engenheiro pernambucano Joaquim Cardozo para atuar como calculista da obra revestida de cobogós. "Volumes e superfícies vazadas que antigamente eram resolvidas com venezianas foram criados agora com o emprego justo e adequado de um material pernambucano por excelência, que conserva a mesma simplicidade de linhas de certas grades e esquadrias: o cobogó", descreveu, à época, o também poeta Cardozo.

O cobogó ainda é muito usado no Nordeste, não só como elemento decorativo mas também para facilitar a ventilação, inclusive em casas de veraneio.

A demanda é grande, a julgar pelo que diz o empresário Tiago Rabelo, da Acinol Artefatos de Cimento do Nordeste, a maior fabricante do estado, e que chega a produzir 1,5 milhão de unidades por ano, em mais de 20 modelos. Ele afirma que o elemento é muito usado para facilitar a ventilação em galpões. Segundo ele, o grupo tem máquinas modernas para produção, mas são as peças artesanais " que usam o mesmo modo de fabricação dos criadores " as mais procuradas:
" As fôrmas continuam de ferro, com concreto seco dentro, e depois se parte para vibrações e demoldagem. Para sair com bom acabamento, tem que ser assim. Também temos modelos batidos na máquina, mas os clientes só querem o artesanal.

Fonte: O Globo - 27/10/2012